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Michelly X

Michelly X por Iwi Onodera, 2019

MICHELLY X

São Paulo, SP, 1972

Michelly X é uma das estilistas mais requisitadas por cantoras e atrizes do Brasil. Autodidata, percebeu na adolescência que olhando os looks nas revistas e programas de televisão, conseguia reproduzir o modelo com todos os detalhes em poucas horas. Desde então, ela cria incríveis figurinos e fantasias, muitas vezes inspirada nos anos 80 e 90. Michelly também tem uma longa história em concursos, vestindo a si e a outras candidatas. Foi eleita Miss Brasil Gay no ano 2000.

entrevista por Igor Furtado, publicada em 23/12/2020

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Michelly na infância, no Miss Brasil Gay 2000 e em editorial para a Vogue Brasil.

Pode contar um pouco sobre sua infância e adolescência?

Eu nasci no bairro Anália Franco, Zona Leste de São Paulo. Durante minha infância, estudei num colégio de freiras no Tatuapé, onde comecei desde cedo a organizar shows e festas. Tirando a parte de chegar chorando em casa de vez em quando, por conta de xingamentos, foi uma infância legal. Ainda não sabia nada em relação a minha sexualidade e gênero, mas sempre gostei de fazer "coisas de menina", como brincar de boneca escondida na casa das minhas amigas. Como minha mãe deixava eu usar cabelo grande, sempre me confundiam com uma garota. Vendo que eu era diferente, ela me levou para alguns psicólogos para checar se estava tudo bem, mais por preocupação com meu bem estar. Na adolescência me assumi gay, mas tinha um preconceito muito grande comigo mesma. Naquela época, achava que era feio e errado ser homossexual, tinha vergonha. Com o passar dos anos, fui me aceitando e entendendo que na verdade não era uma questão de sexualidade, mas sim de gênero. Muitas das vezes a família não nos aceita, expulsa de casa e acabamos tendo que nos virar para sobreviver. Felizmente, minha família inteira, meus pais, irmãos e tios, sempre me apoiaram e respeitaram, o que foi fundamental para que eu tivesse uma trajetória de sucesso.

De onde surgiu o seu interesse em moda e como foi o início da sua carreira?

Eu assistia a primeira versão da novela TiTiTi e achava linda a abertura, em que apareciam vários croquis. Fiquei fascinada e passei a desenhar na escola, os vestidos e rostos das meninas. Sou muito fã da Xuxa e aos 16 anos decidi criar o meu próprio grupo cover. Sozinha, maquiava e fazia as roupas de paquita das outras integrantes. Foi aí que surgiu minha paixão por esse universo. Nós fazíamos alguns programas de televisão e todo mundo perguntava sobre o nosso figurino. Uma dessas pessoas foi a Mariane, apresentadora infantil que tinha acabado de sair do SBT. Mesmo sendo minhas primeiras peças, eu disse que costurava para outras pessoas. Foi o primeiro convite, vestir ela no programa Tudo por Brinquedo da Gazeta, onde fiquei um ano e meio. Com isso começaram a surgir algumas outras famosas me procurando, como a Carla Perez do É o Tchan! e a Monique Evans, que eventualmente me levou para o carnaval.

Michelly X
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Michelly X no Miss Brasil Gay 2000

Em 2000 você recebeu o título de Miss Brasil Gay. Como foi a sua trajetória dentro dos concursos?

O Binho, um dos bailarinos do meu grupo, que também era cover da Madonna, me maquiou pela primeira vez em um show que fizemos em Salvador. Coloquei uma franja e uma capa e ficamos passadas com a minha aparência. A partir daí, ele me incentivou a passar a me vestir de mulher. Quando o Xou da Xuxa acabou, esse meu grupo cover também terminou. Foi um período de descoberta para mim, pois acabei me aproximando do mundo que hoje chamamos drag. Uma amiga já tinha me falado da boate Sound Factory, onde elas performavam. Como eu sabia me maquiar, eu mesma me montei e fui sozinha. Foi uma noite incrível e depois disso nunca mais quis parar. Fiz novas amigas e comecei a frequentar várias boates como a Nostro Mondo, HS, Sky, entre outras. Inclusive ganhei os concursos Miss Sky 95, Miss Brasil Nostro Mondo 95, Miss Mundo Blue Space 98. Em 2000, fui para Juiz de Fora competir com candidatas de todo o país. Ganhei representando São Paulo no maior concurso de transformistas que existia e existe até hoje, o Miss Brasil Gay Oficial. 

De que forma você enxerga essas competições hoje? 

Na época era muito importante para minha cabeça e auto-estima, meu ego. Eu sempre me senti um menino feio. Por conta disso, os concursos acabaram sendo uma terapia. Só que se gasta muito dinheiro e são muitas brigas. As meninas não aceitavam perder umas paras outras, ficavam chateadas mesmo. Algumas jogavam os troféus de segundo lugar fora, outras quebravam o espelho do camarim. Com o tempo comecei a cansar e ver aquilo como uma perda de tempo. Já mudei muito, estou com 48 anos, não consigo mais ver da mesma forma. Na época era algo muito importante, mas hoje vejo como uma grande brincadeira. As pessoas acham que ganhar um título de beleza vai transformar a vida delas, mas não é como no Miss Brasil ou Universo cisgênero. Você não vira uma atriz de Hollywood, nem sai nas capas das revistas, isso não vai te dar essa estabilidade. Acho que dão muito valor a algo passageiro. Isso não quer dizer que não goste de acompanhar e assistir, até porque para muitas é um lugar de acolhimento acima de tudo. Eu ainda vou sempre que posso ao Miss Brasil, mas já não soma a minha vida, como um dia somou.

Depois dos concursos você participou de vários programas na TV. Como essas experiências de exposição em rede nacional te afetaram? 

De todas, eu fui a Miss Brasil Gay que fez mais aparições e participações em programas de TV, é possível fazer essa pesquisa. Era uma experiência interessante, acredito que muito diferente do que seria hoje em dia. Naquela época, era comum os apresentadores, como o Silvio Santos, se referirem a nós no masculino ou nos chamarem pelo nome de batismo. Se isso acontecesse agora, seria diferente, provavelmente considerado ofensivo. Eu nunca liguei muito pra isso, até porque quem mais me importa me aceita da forma que eu sou. Tenho uma tia de 85 anos que, de vez em quando, me chama de Alexandre, mas sei que não é por mal. De alguma forma, temos que entender que é uma outra época.

O carnaval continua sendo o momento mais importante e movimentado do seu ano?

Trabalho bastante com o carnaval porque minha especialidade é o brilho, a aplicação de cristais. É um trabalho que leva muito tempo. Acabo fazendo em torno de 20 fantasias para famosas desfilarem ou se apresentarem por ano, o que é bom para projetar o meu trabalho, mas não tanto para fazer dinheiro a longo prazo. As artistas ganham muita coisa, várias marcas poderosas e grandes grupos dão suas coleções como forma de impulsionar o marketing. Eu sou um ateliê pequeno, não tenho condições de fazer isso, se gasta muito tempo e dinheiro com material e mão de obra. Como é difícil competir, acabamos ficando mais fechados em relação a quem conseguimos atender durante esse período, para conseguirmos oferecer o mesmo padrão de qualidade. Sempre me pedem de última hora, então o prazo é curto. Geralmente fazemos com dois meses de antecedência, mas, às vezes, temos que fazer em um mês, uma semana ou até em 3 dias. É sempre muito intenso e corrido.

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Fantasias de carnaval desenvolvidas por Michelly X

Como é o processo de criação de um look? Quais designers te inspiram?

Cada artista tem um stylist, que geralmente vem até mim com ideias e desenhos prontos. Por conta da minha experiência, ao entender o que eles querem, já consigo saber quais materiais dariam certo ou não. As vezes existem conflitos porque o stylist entende mais sobre montar looks do que construção, modelagem e costura. Na hora de se escolher um tecido é importante saber sobre caimento, elasticidade, entre várias outras coisas. Tem alguns que teimam, mas no fim acaba dando tudo certo. Também já criei vários looks com design meu, sem intermédios, para a Xuxa, Ivete Sangalo, entre várias outras. É algo que prefiro pois sinto uma liberdade muito maior. Um designer que fez parte da minha vida como amigo, mas que não cheguei a conhecer tanto o trabalho, foi o Clodovil. Eu desenhei e confeccionei algumas peças para seu último espetáculo Ele e Ela, que esteve em cartaz antes dele entrar para política. Thierry Mugler, Iris Van Herpen e Elie Saab são alguns estilistas que me inspiram por conta de suas abordagens lúdicas e brilhantes.

Existe algum arquivamento da sua produção? Você pensa em desenvolver coleções e desfiles no futuro?

As roupas que eu faço são por encomenda, então seria difícil conseguir fazer algo como uma exposição. As peças mais icônicas estão em diversos lugares diferentes, com as clientes, emissoras e escolas de samba. Porém, eu gostaria de fazer um livro especial com imagens da minha trajetória, assim como passar a desenvolver coleções em breve. Pretendo continuar criando roupas para shows, apresentações e campanhas publicitárias, mas quero poder me expandir para além do meio artístico, ampliando minha marca para vestidos de noiva ou peças que não sejam sob medida. Ainda não sei se vou fazer algo muito casual porque não é o meu forte. Creio que ainda seriam vestidos de festa, conectados a ideia de alta costura, de um trabalho manual minucioso. Como trabalho muito com o público LGBTQ+, durante a pandemia também comecei a vender algumas calcinhas e biquínis para transexuais e travestis, já que conheço todos os truques para fazer uma peça perfeita para nós.

Michelly X

Looks no ateliê, Michelly X no Miss Brasil Gay 2000/2001 e em editorial por Marcio del Nero

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