Vídeo arte para No Shade, 2020
GABRIEL MASSAN
Nilópolis, RJ, 1996
Gabriel Massan é um artista digital brasileiro que vive em Berlim, Alemanha. Por meio da escultura digital, animação, videoarte e realidade aumentada, Massan busca construir narrativas que trabalhem a relação de dependência entre existências ficcionais e ambientes digitais, significando as representações de identidade, cor e tempo. Apresenta seus trabalhos em galerias de arte, feiras, instituições e festivais internacionais desde 2017.
entrevista por Igor Furtado, publicada em 28/01/2021



A Floresta, 3D/AR, Instalação para Azoomee em parceria com a Cidade de Viena // MANGUE, esculturas 3D para Open Sesame: A Photophobic Experiment
Como foi sua infância em Nilópolis e de que formas as memórias desse tempo dialogam com o seu trabalho?
Do primeiro passo aos 18 anos eu vivi na mesma casa. Na verdade era quase Mesquita, outro município da Baixada Fluminense. Essa região também pode ser chamada de Chatuba de Mesquita. Meu avô paterno era da Marinha e garantiu uma casa própria e formação superior para todos os filhos, influenciados pela minha avó. Reconheço esse quadro como a minha estrutura. A rua onde eu morava era tomada pelo tráfico. Frequentemente haviam tiroteios durante operações da Polícia Militar. Já dentro de casa, a masculinidade compulsiva do meu pai buscava interferir e projetar a minha personalidade. Eu cresci afeminada! Na escola eu era rejeitada, muito esculhambada. Apanhei muito. Mas para mim a piada precisava ser ainda mais engraçada, então, eu me apresentava para todas as turmas durante o recreio. Imitava a Joelma e o Mc Sapão. Nos finais de semana, eu estava matriculado num curso de teatro em Botafogo. Eu fantasiava viver a mim mesmo. Em cada oportunidade de respiro eu criava histórias. Tenho muitas fantasias. Queria criar tudo do zero. Na adolescência, ganhar um computador usado da minha tia me fez passar tardes buscando formas de produzir tudo que me desse espaço para dizer. Imaginei sobre a vida em todas as capitais que eu havia decorado o nome pelo Mapa-Múndi, meu livro favorito. Não havia limite para essa vontade. A cada descoberta eu me despedia mais dessa invenção de mim. Nessa história, o grande motor foi a minha mãe, que me estendia a mão para cada criação e me impulsionava para a próxima. Minha mãe me diz muito. Eu lembro de ter sido muito triste, mas de também ter sonhado bastante, que é o que me faz sorrir. Acredito que minha produção artística nasce de uma conversa sobre e entre essas memórias. Olho para o mundo e o vejo muito em mim. O que dos meus traumas, das minhas felicidades também é mundo. E como o posso interferir e projetar.
Quando começou a sua relação com os softwares? Os limites do mundo físico que te fizeram imergir no virtual?
Minha grande paixão por computador surgiu quando eu conheci o The Sims. Ia quase todos os dias para a lan house, criar uma boneco, uma casa, uma história. Depois, quando tive um, eu mergulhei. Passei a montar estúdios, gravar novelas, séries, clipes. Nada estava longe, quanto mais impossível, mais tempo eu me dedicava para realizar. Nisso, eu já dominava o Photoshop, Dreamweaver, Premiere e After Effects, o que na faculdade me garantiu um estágio de editor de vídeos. Fui me interessando pela videoarte e descobri que poderia ser artista, trabalhar com tecnologia. Durante esse período eu transitava entre a Oi Kabum e o Parque Lage. Na exposição de encerramento apresentei minha primeira animação em 3D, um clipe para o No Porn. Nesse momento da minha vida eu me encontrava enquanto bicha, preta, lidava com o recente assassinato da Matheusa e minha saída de casa. Me via muito marcada pela violência e desvalorizada pelo Rio de Janeiro. Muito medo de viver e de morrer. E perceber que eu, sendo o que eu sou, não tenho vez para brincar. Ir para o digital foi um refúgio. Eu precisava ver, pensar outro tempo, outras leis. Sem humanidade.
TORMENTA, Vídeo arte para o “IN/OUT Festival”, 2020
Como você enxerga os contrastes entre virtualidade, espiritualidade e natureza?
Espiritualidade, virtualidade e natureza são tempos. Ideias de imagem e vida. Minha história espiritual negada, por conta de raciocínios colonizados herdados a mim, encontra com a minha relação de representação e desconfiguração dos signos na pesquisa que eu venho dando forma. Pela virtualidade, eu crio escombros, esferas e status sociais que são marcados pelo desejo de entrelaçar memórias inconscientes. Escolho o exercício livre da escultura digital como meio. Ou seja, criar espaços de existência, revisitando vestígios de símbolos na lembrança, como pinturas no corpo, nas paredes, rostos, imagens de divindades, costumes, sons e língua, que eu consiga visualizar esculpindo, coletando. A aceleração, incentivada pelo sistema de consumo, diminui o tempo de vida da minha obra pelo "like" ou pelo "share". Já que a rede social é o formato pelo qual a arte digital se torna produto de troca, tendo como base sua qualidade de validação e disseminação viral.
Viver na Europa tem transformado a sua percepção sobre o Brasil? Aí existe uma outra relação com produtividade e dependência tecnológica?
Sim. O que é o Brasil não é mesmo? Acredito que eu penso mais na minha transição de percepção do que no território e mercado em si. Quando eu estava aí não existiam formas de planejar o meu próximo passo. Tudo o que eu fiz foi inédito para mim e para aqueles que me acompanhavam. Eu não abria portas, eu simplesmente as criava. Mas essa impossibilidade premeditada me seguia como um fantasma. Em 2019, tive a oportunidade de fazer uma residência na Espanha. Ainda não voltei. Estou vagando. Acredito que aqui os pequenos e médios mercados não são tão suprimidos como no Brasil, há investimento. Isso faz com que novas ideias, novas formas de produzir, sejam abraçadas e endereçadas a nichos específicos. Justamente por exportarem tecnologia e conhecimento. Serem o centro da hegemonia vigente. Essa vantagem dá mais chão para explorar. E me devolve o direito de pensar no que eu quero ser e no que eu quero fazer, mesmo sendo uma pessoa preta, queer e imigrante.


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3D Design para artigo da Electronic Beats “Life Forces”
Qual o maior desafio em conciliar as diferentes demandas do mercado publicitário e de arte e de que formas você ainda pretende expandir sua prática?
O tempo. Um me exige entregas pontuais, briefings apertados e diversas correções. O outro consome do meu pensamento, da minha devoção e da minha intimidade comigo mesmo e para com o meu trabalho. Ultimamente eles habitam o mesmo espaço ao mesmo tempo, me gerando algumas crises. Meu incômodo se dá pela linguagem exigida e as limitações de cada sistema. E em ambos a mensagem se corrompe. Nos últimos meses, eu venho transpondo da tela para outras ferramentas digitais. Meus próximos projetos são em realidade aumentada/realidade virtual. Também tenho colaborado com marcas locais com filtros e estampas. Tenho uma grande curiosidade em trabalhar com barro. Já pesquisei algumas impressoras 3D que trabalham com esse material. No bairro onde eu moro existem alguns centros de cerâmica. Acredito que se eu der esse passo, será uma escultura. Penso muito na pintura de espaços também. Do espaço como peça.
Você costuma se inspirar no trabalho de outros artistas? Como suas recentes colaborações tem te transformado?
Sim, bastante. Eu gosto muito de observar a técnica e o tempo de execução. Adoro saber sobre os processos e o cotidiano de cada artista que me atravessa. Sempre que esse interesse é mútuo soa como uma fantasia. Nos últimos tempos, venho fazendo convites a pessoas que admiro e também notando uma grande abertura. Me interesso por artistas que tenham outras práticas além do 3D. Observo muitos ilustradores, joalheiros, escritores, designers e videoartistas, todos me apresentam caminhos que influenciam as escolhas no meu próprio trabalho. Colaborar é ouvir a interpretação do outro e conversar sobre nossas inquietudes e gozos. Também percebo os processos de grande potência, onde criamos não só habitats, mas ecossistemas inteiros.
Como você faz para se desligar do trabalho? O que gosta de fazer nesses momentos?
Como 80% da minha rotina de trabalho é de encontro a uma tela, tento diminuir minha presença nas redes sociais ou nos ambientes digitais comuns. Me desligo. Normalmente procuro amigos para conversar, novos pratos para experimentar. Danço muito e ouço muita música. Grande parte do meu tempo livre eu também dedico a filmes e livros. Mas no todo, eu prefiro o ócio, que me faz refletir e reparar no meu próprio corpo.
Quais são as próximas exposições?
Nesse momento, mesmo Berlim estando em lockdown, já está em desenvolvimento a exposição que faço parte no Bärenzwinger. Pela "Open Sesame: A Photophobic Experiment" apresento "Mangue" dentro de uma jaula, com trilha assinada pela artista recifense "Sanni Est". Esse trabalho em videoarte e print art digital, narra minhas representações do cenário do Mangue, reestruturando suas formas de vida e a poluição. O espaço mantinha ursos em cativeiro durante alguns anos atrás. Em fevereiro, farei parte da exposição coletiva online "Pyramid Open Show 2021" pela organização "Pyramid" no Reino Unido. Nela exponho "Aferro" videoperformance que gravei em 2018 na Estação Deodoro. Nesse mesmo show, conectada a peça, apresento um trabalho inédito também em videoperformance.
TENDAL, Vídeo arte para TNT, 2020