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No jornal Última Hora, 1975

CLÁUDIA CELESTE

Rio de Janeiro, RJ, 1952-2018

Cláudia Celeste iniciou a carreira de atriz na década de 70, se tornando a primeira travesti a aparecer em uma novela brasileira, mesmo com a proibição da ditadura militar. Dez anos depois, foi escalada para Olho por Olho na TV Manchete, entrando para a história novamente como a primeira a atuar em uma novela do começo ao fim. Ao longo da carreira, também venceu e organizou concursos de beleza, teve uma banda punk e se apresentou em teatros e casas noturnas ao redor do Brasil e Europa.

publicado em 29/07/2021

Cantora, dançarina, atriz, miss, produtora, diretora, autora e muitas outras mais. Cláudia Celeste começou a conhecer suas vocações servindo como cabo. Com 18 anos já aterrorizava o quartel. Foi no exército que começou a fazer a sobrancelha e se maquiar. Depois de servir, já com 20, foi de Irajá para Copacabana, no intuito de conseguir um emprego com o recém-adquirido diploma de maquiagem e cabelo do Senac. Segundo ela, o cotidiano no salão foi o incentivo final para transicionar, passando a tomar anticoncepcionais depois de assistir Divina Valéria na peça “Valter ou Valéria”. Nesse mesmo ano, quando foi acompanhar uma amiga em uma audição para o teatro de revista, acabou sendo convidada a fazer um teste e foi selecionada, mas só pode estrear nos palcos do Beco das Garrafas, como dançarina GoGo-Girl. Naquela época os shows de travestis em teatros não eram permitidos e tinham uma história muito recente. "Tudo começou em 1961, quando Ivanah, uma francesa, apareceu em um espetáculo teatral pela primeira vez. No ano seguinte veio outra francesa, Coccinelle, que causou escândalo ao sair na capa da revista Manchete, posando na piscina do hotel em que havia se hospedado, o Copacabana Palace. Em 1964, foram lançados os shows de travestis com as brasileiras Rogéria, Valéria, Marquesa e Brigitte Búzios, mas logo foram banidos pela ditadura militar, em 1969." Quatro anos após essa proibição, em 1973, o Teatro Rival consegue a primeira licença do governo para produzir “O mundo é das bonecas”. Cláudia é convidada para ser um dos destaques, junto de outras travestis bastante conhecidas na época, como Jane di Castro. Depois do sucesso desse projeto, ela passa a trabalhar como bailarina de diversas produções, performando em casas noturnas como Bolero, Holliday, Erotika e Barbarella.

Poster de As Bonecas também podem //  Bastidores de Bonecas com algo mais // Gigolettes na boate Sukata

Ensaios do espetáculo Bonecas com tudo em cima

No jornal Última Hora de 1975, Cláudia já era nomeada “grande mistério da noite carioca” e uma “vedete travesti de nível internacional”. Ao dançar com Sydney Magal em Era uma vez no Carnaval, ficou conhecida como “lebre misteriosa de Carlos Imperial”, controverso produtor que a batizou com o sobrenome Celeste. Alcançando rapidamente uma trajetória de projeção e sabendo do seu potencial, acabou se interessando em participar do Miss Brasil. O concurso elegia a travesti ou transformista mais bonita do país, mas logo teve que mudar de nome para Miss Boneca Pop por conta da referência direta a competição que já existia. Cláudia venceu o título de Miss Brasil Pop em 1976, mesmo ano em que o concurso teve sua última edição. Um ano depois, o diretor Daniel Filho assistiu à Transetê no Fuetê no Rival, show do qual Celeste participava, e resolveu recriar um dos números em sua novela na Globo, Espelho Mágico. Na época, ninguém da equipe sabia que Cláudia era travesti e existia uma determinação da Censura Federal que proibiria sua aparição na TV. Ela foi escalada para contracenar com Sônia Braga e Lima Duarte, mas logo após sua primeira cena, virou destaque das manchetes dos jornais; “Cláudia (ou melhor, Cláudio), travesti que enganou todo mundo”, "A primeira travesti na TV", entre outras. Apesar de ter filmado mais cenas, acabaram sendo canceladas antes mesmo da notificação de censura prévia, fazendo com que fosse afastada definitivamente pela Globo. Para além disso, como muitos não sabiam o que havia de fato acontecido, surgiram muitos questionamentos sobre como ela teria conseguido alcançar tal feito: “Por que a Rogéria e a Valéria não podem fazer televisão, e a Celeste pode? Qual foi o critério que a censura usou?”

Traje típico e momento da coroação no Miss Brasil Pop, 1976

Paris Paname no Teatro Brigitte Blair // Cláudia e Jane di Castro em Gay Fantasy // Duo Wagner no El Molino de Barcelona

Em 1979, ainda digerindo a experiência na televisão e mais algumas participações em filmes e peças, Cláudia se mudou para a Europa e passou a se apresentar em casas de espetáculo e grandes companhias, assim como algumas amigas já tinham feito. Viajou pela Alemanha, França e Espanha, onde conheceu Paulo Wagner, seu marido e parceiro de apresentações por mais de 30 anos. Porém, os shows pagavam muito pouco no geral, o que fazia com que várias brasileiras se prostituíssem com o intuito de custear operações e outras despesas extras. Na busca de outro caminho, Celeste decidiu voltar ao Brasil, trabalhando como produtora e diretora de espetáculos como “Brasileiríssimo” com Rogéria. Como nada é por acaso, estar de volta no momento certo lhe proporcionou uma das maiores experiências de sua vida. Dez anos depois da primeira aparição na TV, a oportunidade de estrelar uma novela surgiu na concorrente Rede Manchete. Em 1987, a atriz venceu 200 concorrentes e foi escolhida para dar vida à prostituta Dinorah na novela Olho por Olho. Sua personagem contracenava com Beth Goulart e fazia par romântico com Mario Gomes. Ela constantemente opinava e orientava o roteiro de sua personagem, como a sugestão da viagem para Paris. Como o regime militar tinha terminado, Cláudia conseguiu participar do início ao fim, em mais de 130 episódios, sendo a única a realizar tal feito durante décadas no país. Ela esperava que Dinorah a traria notoriedade e geraria outras oportunidades, mas foi sentindo um gradual apagamento e perda de espaço, já que se tornou cada vez mais recorrente atores cisgêneros interpretando travestis em narrativas estereotipadas.

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Recortes de jornais e revistas e trecho da novela Olho por Olho da TV Manchete, 1988

Cláudia só participou de mais dois filmes nos anos oitenta: Beijo na Boca, também estrelado por Mário Gomes, e o trash futurista Punks, Os Filhos da Noite, com Lady Francisco. Na época, assim como a amiga Cláudia Wonder, tentou carreira como cantora de rock, formando com o marido a banda Coisa que Incomoda e o espetáculo Febre. Os dois se inspiravam nos movimentos punk e new wave, criando novas versões de clássicos ao misturar sonoridades brasileiras e letras inusitadas. Em 2012, trinta e seis anos depois da última edição do Miss Brasil Pop, Celeste passou a coroa à vencedora da primeira edição do Miss T Brasil, que também dirigiu. Em 2016, foi homenageada na primeira edição do Festival TransArte, evento que explora questões de identidade de gênero e sexualidade. Em seus últimos anos, também estava envolvida em projetos editoriais, como um livro de resgate a história dos espetáculos de travestis, chamado O Glamour das Divas. Cláudia morreu de pneumonia numa madrugada de domingo em 2018, aos 66 anos. Sua transgressão e pioneirismo - no que diz respeito a luta por direitos e espaço no mundo das artes, as modificações corporais em plena ditadura civil-militar e o entendimento da necessidade do arquivamento da memória LGBT+ para futuras gerações - nunca poderão ser apagados.

Febre, espetáculo desenvolvido com Wagner Borges, 1980

Referências de Pesquisa:

Junior, Aureliano. Para uma história dos concursos de beleza trans: a criação de memórias e tradição para um certame voltado para travestis e mulheres transexuais, 2017

Silva, Pedro Pepa; Visnadi, Marcus; Mohallem, Gui. Diva que incomoda, Revista Geni, 2013 

Celeste, Cláudia. Website/Blog Pessoal; atrizclaudiaceleste.blogspot.com

Claudionor Caetano Lopes: profissão Atriz. Jornal Reflor, 1982

Relembre travestis e transexuais das novelas. tvefamosos.uol.com.br, 2012

Primeira travesti a atuar em uma novela brasileira morre aos 66 anos. oglobo.globo.com/cultura/, 2018

Relembre personagens que foram transexuais ou travestis nas novelas. terra.com.br/diversao/tv/, 2015

Marchi, Majorie. A Influência da “BELEZA” na formação das Identidades de Travestis e Transexuais brasileiras. Revista S!, 2012

Soliva, Thiago Barcelos. Sob o símbolo do glamour: um estudo sobre resistência e mudança social, UFRJ, 2016

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