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Aline Besouro

ÄLINE BESOURÖ

Rio de Janeiro, RJ, 1990

Júpiter, 2019

Äline Besourö é artista plástica, ilustradora e designer de roupas e estampas. Também é professora de Kundalini Yoga e figurinista para produções teatrais e cinematográficas. Concluiu um mestrado em Processos Artísticos Contemporâneos e se formou inicialmente em História da Arte na UERJ. Sua atuação tem como conexão o interesse em historiografia e a possibilidade de narrar através de diferentes personagens, formas, cores e materiais.

entrevista por Igor Furtado, publicada em 31/05/2021

Aline Besouro
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De que formas a fantasia esteve presente na sua infância? Qual sua lembrança mais vivida dessa época?

Sempre me interessou contar e ler histórias, minha infância foi repleta de momentos mergulhados de imaginação e imagem. Parte do trabalho que desenvolvo atualmente se refere a esse momento. Eu me lembro de quando tinha sete anos e pegava o jornal que chegava em casa, recortava e colava, criando um outro jornal, com as minhas próprias histórias. Tanto minha mãe quanto meu pai sempre me estimularam na infância. Na verdade a minha família inteira me estimulava a sonhar. A gente acordava e nos reuníamos para conversar. Talvez a superstição também tenha sido uma grande aliada que estendeu esse meu fascínio na primeira infância. A possibilidade de sonhar e a maravilhosidade de viver outros mundos sustenta meu fascínio até hoje. Sobre lembranças vívidas, tenho muitas. Lembro quando fui brincar com a Cacilda, a avó do meu irmão e a mangueira da hemodiálise dela saiu e voou sangue para todo lado no quarto. Lembro da minha avó Regina me dando banho e quando ela juntava eu e meus primos no quarto com ela gravando músicas que ouvíamos em sequência, numa delas cantei a música "Como pode um peixe vivo viver fora de água fria?". Lembro quando caçava grilos em Caxias. Lembro quando levava o meu ursinho de pelúcia ABC para a vó Elza, vizinha da minha vó Cilésia, para costurar...

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 Como foram os seus primeiros contatos com desenho e costura?

Meu primeiro contato veio a partir da minha mãe e meu pai. Quando fiz seis anos a minha mãe ingressou na faculdade de Belas Artes na UFRJ aos 36. Era a primeira faculdade dela e como ela tinha dois filhos, meu irmão Samuel e eu, precisava nos levar pra universidade para não nos deixar sozinhes em casa. Aquela foi talvez o meu primeiro e constante contato com o estudo de artes e o ambiente universitário. Me lembro de me sentir bastante à vontade, apesar de ser um ambiente hostil para crianças. Depois, quando minha irmã mais nova nasceu, me lembro do meu irmão, que na época devia ter 13 anos, eu, com 8, e a Ana, ainda bebê, passeando nos corredores enquanto minha mãe estava na aula. Minha mãe tinha que fazer aulas de desenho de observação e me chamava para desenhar com ela. Comecei a costurar com a avó Elza e minha avó Cilésia. A avó Elza costurava a orelha do ABC, eu devia ter 5 anos. O ABC tinha a orelha furada por conta de um lacre da loja, a orelha era costurada e descosturava, eu me divertia ver o tecido romper e depois consertar. Quando ficava com um furo muito grande, eu dizia que ia levar na médica Dona Elza. Ali também surgiu em mim a ideia de cura, costura. Logo depois descobri que quando se abria a pele de pessoa se costurava para fechar e cicatrizar. Minha avó Cilésia me ensinou o crochê também. Quando eu fiz 15 anos a vó Elza me deu a máquina de costura dela de presente, que nomeei de Gabriela. Depois disso, nunca parei de costurar, tive o auxílio da Tia Dalva no manuseio da máquina no início, mas depois rapidamente me afeiçoei e comecei a costurar minhas próprias peças.

Aline Besouro
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Os Seres são de Miríades e tem suas próprias identidades e características, pode explicar em geral a história deles?

O Miríades é só um dos muitos planetas que habitam a minha imaginação. Os Seres vêm para conhecer e conviver com nosso mundo. Assim que chegam e encarnam em papel, desenho, roupa, trazem suas vidas e lembranças. Com o passar dos anos, fiquei cada vez mais afinada a corresponder suas expectativas narrativas. Perceber suas diferenças e intenções. Por vezes consigo contar longamente a história de algum, como a história do Sem Medo, um humananfibio que morava no subterrâneo, ou do Limbo que desde criança queria ser militar, mas que quando precisou lutar sua primeira guerra percebeu que não fazia sentido matar… Outros apenas conheço os nomes, mas com o passar dos anos vamos nos conhecendo. Miríades significa milhares, então acho que é por aí mesmo, pois eles chegam aos montes e eu os inscrevo sob qualquer superfície disponível.

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Quais técnicas e processos você utiliza no desenvolvimento de um projeto gráfico ou de estamparia?

Majoritariamente eu utilizo nanquim, serigrafia, monotipia, recorte e colagem. Tenho meu processo muito arraigado na gravura, no fazer manual e na repetição. Meu processo começa com o desenho. Desenho tudo que me passa na mente ou que vejo e sinto. Durante as reproduções, a imagem se torna outra e depois outra. Reúno esses desenhos primordiais há muitos anos em vários cadernos que costuro. Com o tempo, olho para esses desenhos de outra forma, assim como os próprios personagens e símbolos. Desenho como escrevo, com letras que são símbolos, letras que são letras, números, frases e Seres. Uma escrita em imagens, com infinitos significados, formas e histórias dentro. Minha mão está conectada à minha mente. Depois transformo esses desenhos em outras materialidades, por vezes em telas de serigrafia, que me estimulam a seguir no faça você mesmo. Me interesso por aprender a construir coisas, faz parte da minha cultura e do que eu acredito. Aprender e partilhar conhecimento. Com isso, experimento transformar e criar matrizes de gravura, recorte, aquarela, pixo. A estamparia é a mistura de tudo isso sobreposto em um tecido. Que, por acaso, começou também a partir desse interesse no suporte Tecido:Texto.

Aline Besouro
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Campanha Besourö Äline 2021

Você também é professora de Kundalini Yoga. Como essa prática te influencia?

Minha busca e trajetória na meditação e yoga foram os caminhos que escolhi para lidar com a minha sensibilidade. Minha prática influencia meu trabalho principalmente por permitir me manter estável mentalmente. As mesmas imagens que me permitem criar e desenhar por vezes também me atormentam. Meditar é uma oportunidade de experimentar a liberdade. Não como uma alienação a essa vida, mas uma possibilidade de apenas ser. Acaba que por ter um grande efeito na minha rotina, a prática passa a atravessar minhas criações constantemente. 

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Você costuma se inspirar no trabalho de outros artistas? Como suas recentes colaborações têm transformado as suas percepções e conhecimentos?

Busco referências principalmente em formas que me cercam fisicamente; folhas, insetos, construções, objetos que coleciono, pessoas. Me dedico a desenhar, ou escrever, essas experiências. Por vezes faço um percurso também na memória. Estudei academicamente sobre o período de ditadura militar no Brasil, buscando maneiras de recontar essa história chamando atenção para as violências e também reafirmando um posicionamento contra esse sistema. Não é um movimento explícito de referenciação, mas existe esse caminho de criação. Quanto às artistas que me inspiram são várias, principalmente o Luiz, que tem um pequeno mundo em sua loja de Radiadores na Favela do Esqueleto. Ele foi um dos primeiros artistas que conheci pessoalmente, quando ainda estava na escola e passava por lá voltando para casa. Depois, na faculdade, cheguei a levar a turma para conhecê-lo. Além disso, as colaborações artísticas de quando entrei no meio acadêmico me formaram enquanto artista e me ajudaram a me sentir mais à vontade com o termo, como as com a Tadáskía, Maria Grey, Maíra Senise, Bruno Moreira e Jandir Junior. Recentemente, outras artistas começaram a fazer parte da minha trajetória, principalmente graças ao Trovoa, grupo de artistas que me trouxe toda graça, alegria e consciência nas trocas. Sou mais livre depois desse encontro. Recentemente colaborei com a Natasha Ribas, no intuito de trazer enfoque e uma nova percepção sobre minha marca de roupas. Essa parceria inaugura um novo momento da minha produção.

Aline Besouro
Aline Besouro
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Fotografia: Igor Furtado, Styling: Natasha Ribas, Assist. de Styling: Olivia Lodi, Beleza: Mayra Moreno, Modelos: Victoria Moulin, Luanna Chi, Thais Queiroz, Vitu e Diego Santos, Produção: Bianca Bastos

Como você tem encarado o aspecto comercial do seu trabalho e os desafios de criar uma nova marca?

Tem sido um desafio maravilhoso, existe toda uma parte da moda que eu desconhecia. Minha referência de roupa e vestimenta surgiu dos animes HunterxHunter e Sakura Card Captors. Nesses animes haviam roupas que se repetiam e roupas que eram costuradas e modificadas. Em Sakura, principalmente, tinha a Tomoio que costurava as roupas para ela. Lembro de uma cena que a Tomoio dizia que a roupa era para proteger a Sakura dos desafios que ela enfrentaria. Quando comecei a costurar para mim também tinha a intenção da roupa proteção. Havia também um questionamento sobre a real necessidade da roupa e seus significados, desdobrei muito sobre isso nos primeiros posts do blog https://sext4feira.wordpress.com/. As roupas que faço para mim são roupas ritual, monásticas, que carregam esse tipo de intenção. Com o início das costuras para outras pessoas, vieram outras responsabilidades. Meu trabalho criativo cresceu e se multiplicou em peças, mas o referencial burocrático e logístico ainda é algo que preciso aprender, como tudo na vida, lentamente, atentamente e com paciência. Me anima ter habitado tanto tempo outro ritmo de produção e agora estar me entregando ao início da marca com esse gás. Me faz parecer estar entrando num novo chão, que caminho com reverência, cuidado e curiosidade.

 

O que você espera alcançar a longo prazo?

Espero conseguir, na maior parte do tempo, trabalhar honestamente, meditar todos os dias, conhecer as pessoas sem medo e brincar.

Aline Besouro
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